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Um ar de sua Graça

Já não se escrevem postais de amor como antigamente – Parte III

 Palavra de ordem: Decorar, Decorar

 

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Postais românticos bem organizados. Arrumadinhos. Escondidos em micas. Micas escondidas em dossiês. Dossiês escondidos em gavetas. Ignorados durante meses e meses.


Chegam as saudades.


Abro gavetas, tiro dossiês, folheio as micas, retiro um ou outro postal da respectiva  bolsa, observo-o ao detalhe, contemplo-o com calma descobrindo sempre um pormenor novo em que não reparara antes. E tempo para me sentar no sofá para estes momentos anti- stress de que tanto gosto?


Costumo dizer que já não trabalho por falta tempo, menos ainda para estas actividades contemplativas!


Mas encontrei a solução. Bem simples. Espalhando-os pela casa, integrando-os na decoração.


Uns, em quadros, decoram o corredor.

 

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Depois lembrei-me da moldura antiga da minha sogra. É metálica, pesada. Sempre gostei do trabalhado dela mas precisava de um toque mais moderno e alegre. Pintei-a de branco e gostei do resultado. Em vez de fotografia coloquei-lhe um postal. Neste momento ostenta um dos que mais gosto. Quando me cansar troco-o por outro.
Mais recentemente ocorreu-me outra ideia que rapidamente pus em prática.


Comprei uma tela. Forrei-a com tecido. Fiz uma prospecção pelas “caixas dos tesouros da minha mãe” e escolhi rendas, galões, fitas. Acrescentei umas chaves velhas, muito velhas da casa da minha avó. Escolhi um postal e apliquei-o. Com a particularidade de este não estar colado. Apenas preso pelas rendas e facilmente substituído por outro, quando deste me cansar.


Deste modo, aqui estão eles sempre, sempre à beira de um olhar.

 

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Já não se escrevem postais de amor como antigamente – Parte II

Palavra de ordem: Organizar, Organizar

 

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A minha colecção de postais românticos foi crescendo ao longo dos anos e tem acompanhado a minha vida desde a adolescência até ao presente.


Depois de iniciar a colecção com os que encontrei em casa dos meus avós, com os poucos que consegui junto de familiares e amigos e com o substancial acréscimo com os que herdei do meu tio João, nunca mais deixei de comprá-los. Procuro-os em feiras e lojas de velharias e sempre que posso, em Lisboa vou até à rua do Crucifixo onde, numa loja no segundo andar de um prédio pombalino, a escolha de postais se torna uma tarefa tão difícil quanto entusiasmante. E que prazer folhear todos aqueles álbuns repletos de postais, sentir-lhes o cheiro, apreciar-lhes as cores, as texturas, os materiais.


Encontramo-los em seda, em papel de arroz, com bordados, rendas, missangas, lantejoulas, dourados, relevos, pintura à mão, mais antigos e mais recentes, postais fotográficos (usando a fotografia), postais cromolitografados  (recorrendo à ilustração), sendo estes últimos os meus preferidos. É não saber o que escolher perante tanta variedade, é ficar extasiada perante tanta beleza, é…perder a cabeça!

 

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Os preços variam conforme o estado de conservação, materiais usados, raridade, renome do ilustrador (neste caso em relação aos cromolitografados).
Infelizmente, o meu primeiro critério de selecção é o preço. Alguns são verdadeiramente proibitivos.  Revendo ao meus postais para este post , o que  já não o fazia há algum tempo, encontrei dois a 6000 escudos cada!!! O preço estava ainda escrito a lápis no verso. Para quem não recorda, 6000 escudos correspondem a 30 Euros!!!
Onde é que eu tinha a cabeça para dar tanto dinheiro por aqueles postais?! Devia estar verdadeiramente louca!


Depois de abrir os cordões à bolsa é o regresso a casa de coração cheio e de carteira vazia.


Em casa segue-se a etapa seguinte  – a organização – tarefa não menos agradável, que se vai fazendo aos poucos, lentamente, de acordo com o tempo disponível e por isso mesmo tão saborosa. Nem sempre é tarefa fácil mas também na dificuldade reside o encanto. Organizo-os por temas em dossiês, dentro de micas. Dossiês com casais, com crianças, com jovens raparigas, festividades, os dossiês com postais cromolitografados.

 

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Dentro de cada temática integro-os em subcategorias. Só para exemplificar, relativamente ao tema crianças, tenho o subtema de bebés, crianças com brinquedos, crianças com animais, crianças com instrumentos musicais, crianças com livros, ao ar livre, etc, etc, etc.  

 
Por vezes não é fácil integrá-los numa categoria, porque o mesmo postal se pode enquadrar em várias categorias diferentes, como por exemplo, o que apresento a seguir que, sendo um  postal de Natal, nele podemos ver dentro da carruagem um par apaixonado. Onde colocá-lo? Festividades? Casais apaixonados?
Mas também estes dilemas, que acarretam alguma subjectividade, fazem parte do encanto do coleccionismo.

 

Uma particularidade deste postal é o facto de ter dupla face, o que não é muito comum.

 

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Estes postais românticos marcam uma época em que a comunicação se fazia de modo inteiramente diferente, a vida corria mais lentamente e as relações entre as pessoas estavam estruturadas de outra forma. São postais que durante anos e anos foram carinhosamente guardados e cuidados por quem os recebeu. Noivas, namorados, jovens aniversariantes. Enviados de mães para filhos, de filhas para mães, de madrinhas para afilhadas, de avós para netos…


Arquivados em deliciosos álbuns.


Por condicionalismos da vida os herdeiros venderam-nos a negociantes de velharias. Não me compete julgá-los.


Mas por vezes dou por mim a contemplar estes postais com uma pequena centelha de nostalgia. O que pensariam todos aqueles que, através dos postais, receberam mensagens de carinho e provas de amor, ao saberem que estes foram passando de mão em mão e que se encontram actualmente na posse de estranhos que nada sabem da sua história de vida?


É por tudo isto que aqui enuncio que os postais herdados do meu tio João me são tão queridos e ocupam um lugar privilegiado na minha colecção.   

 

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Já não se escrevem postais de amor como antigamente - Parte 1

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Tio João e Alice

 

Há objectos que me encantam. E se me encantam gosto de me ver rodeada por eles, coleccionando-os.

 

Das minhas colecções, a mais antiga começou na adolescência quando encontrei, por acaso, em casa dos meus avós, uma dúzia de postais românticos. Achei-os lindos. Havia-os com crianças sorridentes, casais abraçados, flores bordadas a seda. Fascinou-me o vestuário e acessórios usados, o mobiliário, caracterizando bem a época a que pertenciam. Alguns com cenários de paisagens produzidos em estúdio. Encantei-me com as cores, suaves e desmaiadas, com o cheiro do papel há muito tempo guardado.

 

E o texto? Sem nunca deixar de me sentir um pouco constrangida por violar a privacidade de quem os escreveu e recebeu, e ainda hoje assim acontece, não posso deixar de ficar fascinada com o rigor e perfeição da caligrafia de outrora, com a escrita escorreita e formal, com a delicadeza do tratamento entre as pessoas, mesmo que entre elas laços estreitos de familiaridade existissem. Logo me apercebi que os postais ilustrados são um manancial precioso de informações e de referências sobre a sua época, mais ainda para quem como eu gosta de História.

 

Entusiasmada comecei por perguntar a familiares próximos e pessoas amigas se não teriam lá por casa, postais românticos antigos esquecidos e abandonados algures e que não se importassem dos ofertar à minha pessoa. Nalguns casos tive êxito e da dúzia inicial passei a ter 15, 20.

 

E é aqui que surge o tio João.

 

O meu tio João emigrou para França à procura de melhores oportunidades de trabalho. Era jovem, solteiro. Lá conheceu a jovem francesa Alice, e apaixonaram-se. Mas a ameaça que pairava sobre a Europa, ensombrou este amor. Estava-se em 1939… e a segunda Grande Guerra rebentou. O tio João equacionou a vida. Decidiu acabar tudo o que entre eles havia e regressou a Portugal… sozinho. Regressou à terra, à família, à paz.

 

Mas a Alice não se conformava. E, inconsolável, durante alguns anos escreveu ao seu adorado “Jeannot” postais ilustrados, todos eles com casais apaixonadamente abraçados. Estes postais, eram diminutos rectângulos de cartão para tão transbordante, intensa e sofrida paixão. A Alice escrevia no verso, na frente, em todas as direcções, por vezes até sobre o rosto das personagens fotografadas, denunciando todo o desespero que este amor interrompido lhe provocava na alma.

 

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O tempo foi passando e a frequência da escrita apaixonada da Alice foi-se tornando mais escassa. Até que terminou. Ter-se-á finalmente convencido da finitude daquele amor impossível? Talvez.

 

Não me recordo como o tio João soube da minha paixão por postais antigos. Mas nunca poderei esquecer o dia em que me apareceu com um envelope volumoso.

 

-Isto é para a menina. Era assim que me tratava.

 

Abri o envelope, incrédula. Aquele meu tio com uma colecção de postais românticos??? E foi então que ele me contou esta história.

 

Senti-me profundamente comovida. Pela história que desconhecia e, sobretudo, pelo facto de ele ter preservado estes postais durante mais de quarenta anos. A memória daquele amor continuava bem viva ao fim de tanto e tanto tempo. Comovida também pela responsabilidade que me atribuíra ao escolher-me para fiel depositária daquele espólio.

 

Os postais do tio João não são, de modo nenhum, os mais bonitos ou valiosos da minha colecção mas são, sem dúvida, os de maior significado. Porque conheço a sua história e pela responsabilidade que me foi confiada.

 

E quanto a isso, tio João e Alice, podem descansar em paz, os vossos postais estão em boas mãos.    

 

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