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Um ar de sua Graça

A prima Josseline

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A prima Josseline não era nossa prima. Era prima de uma prima da minha avó. A prima Jusseline era viúva, vivia em Coimbra e vinha passar temporadas à terra a casa da prima. Da prima verdadeira. Foi aí, em casa da prima em comum que a minha avó e ela se conheceram. Ficaram amigas… e primas.


Quando conheci a prima Josseline era eu bem miúda. Quando a via ficava como que hipnotizada, não conseguindo desviar os olhos dela. A aparência dela e a sua atitude não deixavam ninguém indiferente.


Era pequena e magra. Cabelo grisalho impecavelmente penteado e preso num carrapito. Rosto comprido e enrugado. Olhos pequenos, muito vivos, míopes. Óculos de aros redondos e dourados encavalitados no nariz adunco.


E as toilettes? Ah, as toilettes! Usava sempre blusas brancas ou de cor clara, de mangas compridas e bem ajustadas nos pulsos. Tinham nervuras ou pequenas rendas ou uma fiada de pequenos botões forrados ou de madrepérola. Sempre muito bem engomadas. As saias eram compridas, pretas, até aos tornozelos. E um cinto cingia a cintura fina. Normalmente vestia por cima um casaco comprido, preto.


Nos pés pequeninos calçava sapatos de camurça com salto elegante. Na mão uma pequena malinha.


Mas o charme de todos charmes residia em dois acessórios que eu não via usar em mais ninguém e que  considerava serem o expoente máximo da elegância: a prima Josseline nunca saía à rua sem um elegante chapéu preto na cabeça. E mais, ao pescoço usava sempre, mas sempre uma fitinha de veludo preto, bem ajustada, onde espetava um grande medalhão. Era a sua imagem de marca.


Absolutamente fascinante!


De tal maneira eu achava aquela fita de veludo o que de mais requintado vira até então que resolvi pedir à minha avó que me arranjasse uma fita igual. Cosi-lhe um colchete, colei-lhe uma latinha redonda que encontrei algures e eis-me pronta para brincar às senhoras finas e elegantes com as minhas bonecas.


A prima Josseline com a sua personalidade austera fazia-me lembrar as preceptoras inglesas dos filmes e livros antigos que retratavam uma época bem longínqua.
Por vezes a prima Josseline visitava a minha avó. Eu não saía de junto delas, sentada muito sossegada a observar os seus modos, os seus trejeitos, os seus gestos delicados. E divertia-me ao vê-la pegar na asa da chávena de chá com o dedo mindinho bem espetado. Até este gesto eu imitava nas minhas brincadeiras.


A prima Josseline parecia saída daqueles figurinos do princípio do século. Do século vinte, bem entendido.


Tenho pena de não ter uma fotografia dela e pena, muita pena de não ter jeito para desenhar. Ah! Como eu gostaria de registar numa folha de papel a imagem que mantenho na memória desta senhora tão singular.

Um casaco feito a quatro mãos

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Há muito, muito tempo quando eu era criancinha, as lojas de pronto a vestir infantil eram praticamente inexistentes. Meninos e meninas andavam mais ou menos bem vestidos, com mais ou menos bom gosto, consoante as possibilidades económicas da família ou a habilidade das mães. As famílias abastadas contratavam bordadeiras, tricotadeiras, costureiras, que bordavam, tricotavam, costuravam as roupinhas das crianças.


A minha mãe não precisava de recorrer a ninguém. Ela bordava, ela tricotava, ela costurava. No entanto, por norma, recorria a costureiras para confeccionarem os vestidos, saias, casacos. Mas os pormenores eram com ela. E eu, modéstia à parte, andava sempre muito bem vestidinha, usava peças exclusivas e únicas que saíam da imaginação e das mãos da minha mãe.


Está neste caso este casaco de malha. Foi tricotado quando eu tinha dois anos. A minha mãe pretendia bordá-lo mas não havia em revista alguma desenhos que a motivassem. Ou porque não se adequavam à temática infantil ou porque eram demasiado grandes para um casaco tão pequeno. Desabafou com o meu pai a sua desilusão.


-Se não há motivos que te agradem para o casaco, então desenho-os eu!


Convém acrescentar que o meu pai até tinha jeitinho para desenhar e gostava de fazê-lo. E assim foi. O meu pai muniu-se de lápis e papel, a minha mãe foi dando ideias e, numa harmoniosa parceria, os desenhos foram nascendo, e a composição ficou definida. Depois, a fase seguinte pertenceu à minha mãe. Escolheu as lãs, as cores, ensaiou os pontos. E bordou o casaco.

 

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Conta a minha mãe que o meu pai, ao contrário do que era habitual, desta vez seguia atentamente todo o processo de execução do bordado. Encantava-se vendo nascer os pintainhos, o barco a navegar nas águas tranquilas, as velas do moinho que pareciam girar ao sabor do vento, o menino e a menina que estavam prestes a saltitar ao encontro um do outro para brincarem juntos. Esta obra era também um bocadinho dele.


Quando me via com ele vestido enchia-se de orgulho pela co-autoria. Usei o casaco até já não caber nele. Depois foi cuidadosamente guardado pela minha mãe que o envolveu em papel de seda, dentro de uma antiga arca onde continua até aos dias de hoje.

 

Apesar de muito velhinho, gosto muitíssimo dele e sempre que o olho sinto uma vontade enorme de tricotar e bordar um casaco inspirado nele. Mas não tenho netos… Enfim… fazendo o casaco já não falta tudo…!

 

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Fátima Afonso

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 Uma das ilustrações do livro "Sonho com Asas", retirada daqui.

 

 

Hoje não venho falar de mim nem das coisas do meu pequenino mundo. Venho falar de alguém que muito admiro e que é notável naquilo que faz. A ilustradora Fátima Afonso.


Conheço a Fátima há muitos anos. Como colegas de trabalho na mesma escola. A Fátima é professora de Educação Visual. Foi professora do meu filho. Uma excelente professora.


Na escola todos a admiramos como pessoa e como profissional. Pela simpatia, pela simplicidade, pela doçura, pela discrição, pela disponibilidade e pela imensa criatividade.


Da outra faceta, a ilustração, inicialmente ninguém tinha conhecimento. Como já referi, a discrição é uma característica da personalidade da Fátima. E a humildade.


Na biblioteca da escola havia muitos livros ilustrados por uma ilustre desconhecida “Fátima Afonso”. Ilustrações que encantavam miúdos e graúdos.


Um dia chega à biblioteca mais um livro. Na contra-capa as fotos das autoras do texto e da ilustração. A bibliotecária olha, volta a olhar com mais atenção para a foto da ilustradora, e não tem dúvidas. Aquela Fátima Afonso era a “nossa” Fátima. É que a Fátima, na escola, é conhecida por outro apelido.


Foi uma festa! Lembro-me ainda do ar um pouco atrapalhado da Fátima, pouco à vontade com a descoberta do seu “segredo”. É que a Fátima é mesmo assim.

 

Ao longo dos anos as ilustrações que faz para acompanhar os textos dos mais diversos escritores e para diversas editoras nacionais e estrangeiras não param de nos surpreender. O traço é único e inconfundível, transportando-nos para um mundo mágico e encantatório.


A Fátima é meticulosa, exigente consigo própria, perfeccionista. Nem as dedicatórias que escreve nos seus livros são deixadas ao acaso, como podemos observar nos exemplos que apresento e que me foram dedicados.

 

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Recentemente venceu a 21ª edição do Prémio Nacional de Ilustração com o livro “Sonho com Asas”, cuja autora do texto é a também professora Teresa Marques. Este é um prémio há muito merecido.


Mas nunca é tarde para distinguir os melhores.


Fátima, vá lá, não te zangues comigo, sei que não gostas destas coisas. Mas não ficava bem com a minha consciência se não falasse aqui um pouquinho de ti. É que estou mesmo feliz com o teu prémio, rapariga!


Nota: Para os que não conhecem a obra da Fátima pesquisem na internet ou vão a uma livraria e folheiem os seus livros. Observem-nos atentamente e façam uma viagem pelo reino do sonho e da fantasia. Maravilhem-se!

 

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O melhor chef do mundo!

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Cozinhar nunca foi para mim uma tarefa entusiasmante. Cozinho por dever e não por prazer.

Enquanto estou de volta dos tachos e panelas o meu pensamento voa e a imaginação dispara. Quando trabalhava acontecia-me muitas vezes, no meio de um refogado, ocorrer-me uma ideia “luminosa” para um projecto a desenvolver , para um texto a produzir e lá ia eu a correr para computador.

Entusiasmava-me e continuava a teclar, a teclar… até me cheirar a esturricado! Corria então, aflita, para a cozinha, tentando salvar o jantar.

Perdi a conta ao número de facas que foram para o lixo e até a lâmina do acessório de picar da varinha mágica desapareceu sem deixar rasto…

E, volta e meia, dava comigo a lavar a loiça com a pega…

O meu filho não é assim. Cansado de jantar comida descongelada no micro ondas, começou a fazer as primeiras incursões na cozinha.

Por vezes ligava-me para tirar dúvidas mas cedo ganhou asas. Consulta livros, vê vídeos , vai experimentando. É criativo, inova e o que cozinha é mesmo muito bom! Agora sou eu quem lhe telefona para que me ensine a fazer este ou aquele prato.

Foi por tudo isto que, há uns tempos, por brincadeira, lhe fiz este quadro. Colocou-o na bancada da cozinha atestando que ali reina o “melhor chef do mundo”.

O Avilez que se cuide…

 

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(O desenho do cozinheiro foi inspirado num que vi algures na net. Peço desculpa à autora por não me recordar onde o encontrei).

 

 

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