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Um ar de sua Graça

A Páscoa não tarda aí

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À excepção do Natal nunca tive o hábito de decorar a casa de acordo com as épocas, quadras, ou estações do ano.


As minhas prioridades e interesses eram outros e não tinha qualquer disponibilidade para pensar no assunto.


Relativamente à época pascal limitava-me a espalhar amêndoas e ovos de chocolate   colocados em pequenas taças ou frascos de vidro. Coloriam a sala. Alegravam os miúdos.


Depois, o ritmo frenético da vida abrandou. Os compromissos imperiosos, os prazos definidos para ontem cessaram. Surgiram outras prioridades, algumas não menos absorventes e não menos prementes.


E neste meu universo por vezes um pouco opaco vou procurando rasgar pequenas janelas que tragam luz ao meu horizonte.
Os momentos de calma e de bem-estar encontro-os nas agulhas e linhas, enquanto vou criando pequenos projectos que me inspiram e, principalmente, me divertem. E dizem os entendidos que o crochet e o tricot são essenciais para que nos mantenhamos saudáveis quer física quer emocionalmente e que aumentam a nossa produtividade e agilidade mental.  


Quero crer que assim seja!


E assim, todos os pretextos são bons para pôr as mãos na massa ou, dizendo por outras palavras, para por as mãos nas agulhas e nas linhas.
Um painel em crochet simbolizando o Outono, uma manta em lã para aconchego no Inverno, outra em fio de algodão para refrescar a cama no Verão, almofadas em tricot e crochet para o conforto no sofá, foram pequenos trabalhos que foram nascendo das minhas mãos.  


A casa ganha cor e renova-se. Foge-se à monotonia de ver sempre o mesmo, sempre tudo igual e no mesmo sítio.


A Páscoa não tarda aí. E pela primeira vez, esta quadra foi motivo de inspiração. Transformei-me em galinha poedeira e nestes últimos dias foram vários os ovos que fui pondo pela casa. Mais uns passaritos por aqui mais um coelhito por ali e a decoração vai ganhando forma. Nunca está concluída. Cada dia vai surgindo algo de novo. Ao sabor da imaginação.


E assim se vai aliando o sagrado e o profano nas celebrações pascais cá de casa.

 

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A prima Josseline

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A prima Josseline não era nossa prima. Era prima de uma prima da minha avó. A prima Jusseline era viúva, vivia em Coimbra e vinha passar temporadas à terra a casa da prima. Da prima verdadeira. Foi aí, em casa da prima em comum que a minha avó e ela se conheceram. Ficaram amigas… e primas.


Quando conheci a prima Josseline era eu bem miúda. Quando a via ficava como que hipnotizada, não conseguindo desviar os olhos dela. A aparência dela e a sua atitude não deixavam ninguém indiferente.


Era pequena e magra. Cabelo grisalho impecavelmente penteado e preso num carrapito. Rosto comprido e enrugado. Olhos pequenos, muito vivos, míopes. Óculos de aros redondos e dourados encavalitados no nariz adunco.


E as toilettes? Ah, as toilettes! Usava sempre blusas brancas ou de cor clara, de mangas compridas e bem ajustadas nos pulsos. Tinham nervuras ou pequenas rendas ou uma fiada de pequenos botões forrados ou de madrepérola. Sempre muito bem engomadas. As saias eram compridas, pretas, até aos tornozelos. E um cinto cingia a cintura fina. Normalmente vestia por cima um casaco comprido, preto.


Nos pés pequeninos calçava sapatos de camurça com salto elegante. Na mão uma pequena malinha.


Mas o charme de todos charmes residia em dois acessórios que eu não via usar em mais ninguém e que  considerava serem o expoente máximo da elegância: a prima Josseline nunca saía à rua sem um elegante chapéu preto na cabeça. E mais, ao pescoço usava sempre, mas sempre uma fitinha de veludo preto, bem ajustada, onde espetava um grande medalhão. Era a sua imagem de marca.


Absolutamente fascinante!


De tal maneira eu achava aquela fita de veludo o que de mais requintado vira até então que resolvi pedir à minha avó que me arranjasse uma fita igual. Cosi-lhe um colchete, colei-lhe uma latinha redonda que encontrei algures e eis-me pronta para brincar às senhoras finas e elegantes com as minhas bonecas.


A prima Josseline com a sua personalidade austera fazia-me lembrar as preceptoras inglesas dos filmes e livros antigos que retratavam uma época bem longínqua.
Por vezes a prima Josseline visitava a minha avó. Eu não saía de junto delas, sentada muito sossegada a observar os seus modos, os seus trejeitos, os seus gestos delicados. E divertia-me ao vê-la pegar na asa da chávena de chá com o dedo mindinho bem espetado. Até este gesto eu imitava nas minhas brincadeiras.


A prima Josseline parecia saída daqueles figurinos do princípio do século. Do século vinte, bem entendido.


Tenho pena de não ter uma fotografia dela e pena, muita pena de não ter jeito para desenhar. Ah! Como eu gostaria de registar numa folha de papel a imagem que mantenho na memória desta senhora tão singular.